Andava da janela para o sofá, e, do sofá para a janela!
- Estava ansiosa. Estava inquieta.
Nada se lhe afigurava importante, ao ponto de se concentrar num só pensamento, que valesse a pena.
Sentia-se com os assuntos a diluírem-se-lhe na sua cabeça, quase vazia, de tão ocupada.
Não gostava de estar à mercê das ideias vagas!
Gostava de pensar por objectivos.
Ultimamente era-lhe impossível tal exercício. A realidade era muito dura. A realidade não deixava espaço para evasões.
- Sentia-se a definhar.
E, andava de trás para a frente e da frente para trás. Ao acaso.
Andava, andava, andava.
- Da janela para o sofá, e, do sofá para a janela!
Achava-se hoje uma inútil.
Com os anos tinha agora a certeza de uma coisa:
- Fazer bons amigos é uma tarefa difícil. Mantê-los, então, nem se fala!...
As certezas da juventude são inúmeras. As "amizades" são todas as que calham. Os sonhos são do tamanho do nosso pensamento.
Mas nada de tudo isto nos faz companhia sempre e para sempre.
Com o nosso passar pelo Tempo as certezas esfumam-se. Os "amigos" todos são três ou quatro. Os sonhos são curtos e espaçados como o voo de uma ave, velha, em fim de rota.
...
Acordou destes pensamentos e fez-se ao dia. Já era de tarde.
- Era tão cedo e já muito tarde.
Cedo para quê e tarde para quê?
Foi-se dali à procura da resposta .
Que fazes aí sentado? Que fazes tu que nem olhas para mim, de tão embrenhado, que te apresentas, nos teus pensamentos?!...
Gostava muito de te adivinhar esses pensamentos!
- Talvez que sejam pensamentos eróticos! Talvez sobre sexo e muito esbanjamento de corpos, sem sexo...
Mas eu não gosto de te provocar com os meus supostos desejos.
Digo supostos porque sobre sexo estamos conversados:
- Falamos mais dele do que do prazer que dele tiramos.
Simplesmente falamos daquilo que não temos.
Que fazes aí sentado, absorto em contemplações que não diviso?
Pensarás em nós? Em nós a fazermos as coisas que ambos deixámos para trás?
Pensarás em sexo?
Pensarás?
- E tu? Que fazes tu para me agradares? Será que pensas nisso?...
Ia pela rua afora e deu-se conta que falava sozinha!
- Aliás, ultimamente, acontecia-lhe muito.
Quanto mais absorta nos seus problemas, menos os conversava, fosse com quem fosse.
Mas desta forma intimista não resolveria coisa nenhuma!
Deu-se então conta de que só tinha problemas, que eram só seus:
- Eram só seus porque nunca os expusera a ninguém; nunca pedira ajuda para os resolver; nunca interpelara sobre eles o "objecto" fulcral do seu estado problemático.
Decidiu não se lamentar.
Continuaria a falar consigo sobre as suas questões existenciais.
Bem lá no fundo sabia que, quase toda a gente, está indisponível para ouvir seja quem for!
Sabia que os outros querem é ser ouvidos.
As pessoas têm problemas e pensamentos. As pessoas são diversas a tratar ambas as coisas.
Já muitos dos meus dias os vivi a pensar em ti.
- Pensar e pouco mais.
Em todas essas horas em que te pensei os meus sentimentos foram diversos.
Nuns amei-te; noutros desejei-te; noutros odiei-te... e até "dormi" contigo.
Foi num desses dias, vividos de pensamentos, que eu te senti abraçares-me toda; beijares-me toda e me deixei ir no embalo do teu beijo.
Foi dessa vez que o sexo me pareceu bem real; bem compensador.
Quando te tinha deitado ao meu lado, nem o sexo prestava.
Gosto mais de ti na ausência.
Gosto dos meus pensamentos sobre ti,
Já vivo bem só - e com esses pensamentos.
Vivo bem.
Eu tinha dias desses...
- Dias em que acordava; e olhava a paisagem que se avistava da janela do nosso quarto, sobre o olival; e ficava pensativa e um pouco insatisfeita comigo.
Eu não sou uma pessoa de pensamentos fáceis, acerca de mim!
- Quase sempre me vejo como uma mulher banal; com ar banal; com pensamentos sofisticados porque confusos. Pensamentos enrodilhados!
E, num desses dias em que que ao acordar olhei pela janela, o "nosso" olival estava submerso, por um manto de nevoeiro espesso.
- Nem uma oliveira se decifrava tal era a intensidade da bruma.
Eu ali parada, a olhar... e tu com o som do rádio aos gritos e as notícias deprimentes que sempre te puxavam a total atenção, deram-me uma enorme volta à cabeça.
- Era um horizonte fechado - dentro e fora do nosso quarto.
Retirei-me da janela; baixei o volume do rádio; entrei no meu duche e fiquei lá sozinha, a imaginar-me a voar contigo, por cima daquele nevoeiro que me sufocava; e a aterrarmos na cabana do pastor ausente.
- Imaginei-nos a fazermos amor; e sexo; e amor; e mais sexo - enquanto a lenha que ardia na lareira nos reconfortasse os corpos nus e exaustos...
Quando me retirei do duche, havia sol e tu deste-me um beijo e o meu dia ficou bom.
Voltámos de novo para a cama. Foi uma manhã de Domingo abençoada. Foi uma grande manhã de sol.
Os meus pensamentos organizaram-se. Já não havia bruma alguma nem confusão, em mim!...
Hoje vesti a minha Alma de Primavera!
- Enfeitei as ideias com pensamentos de azul e mar...
E, como o espaço me fica infinito, eu sonho desbragadamente. Devaneio; evado-me.
Nesses devaneios permanentes, que hoje me concedo, vejo-te a abraçares-me, pela cintura; a puxares-me, bem, para ti.
- Vejo-te a beijares-me; e a levares-me contigo para onde sabes que serei tua.
E, lá chegados, ao lugar conveniente, para a nossa primeira vez, vejo-te a beijares-me - mais; e mais; e mais...
Retraio-me!d
Vejo-me agora, num relance de lucidez, a esquecer-me do meu sonho; vejo-me na realidade.
Sei que não gosto dos teus beijos; nem dos teus abraços; nem do sexo que faço contigo. Não gosto.
Mas, como hoje vesti a minha Alma de Primavera, tudo contigo é bom; delicioso; apetecível...
- Até o sexo.
Principalmente, o sexo que fazemos hoje, é muito bom.
Preciso de me vestir de Primavera para te ver o Homem dos meus sonhos.
PS: Deixo de olhar a foto que está em cima da minha secretária - do dia em que nos casámos. Mergulho, de cabeça, no trabalho...
Não há mais espaço para sonhos e evasões. Para pensamentos de azul e mar.
A realidade é outra coisa.
Não te preocupes nem te interesses pelo que faço nem com aquilo que penso.
Tu, nunca saberás aquilo que me vai na cabeça, quando te fixo nos olhos e te digo, implorando, leva-me para a tua casa; estende-me ao comprido na tua cama; estende-te ao comprido por cima de mim, deitada na tua cama; faz sexo comigo; faz amor comigo; deixa-me, depois, ir embora.
Quando me olhas, e dizes que me conheces e sabes de cor, eu penso para comigo coisas que tu não gostarias de saber que eu penso de ti... Mas, que hei-de eu fazer se gosto tanto da maneira como fazemos amor e sexo, um com o outro?
- Não posso fugir ao teu corpo.
A tua Alma, pelo contrário, perturba-me e assusta-me.
Portanto não te preocupes com o que faço; nem com aquilo que penso.
É matéria "classificada" a que estás proibido de "acessar". Apaguei o link para ti.
- Faço tudo o que me apetece; penso aquilo que me dá na gana.
Por ti sinto aquilo que não te digo:
- Sinto atracção fatal; sinto medo; sinto desejo.
Contigo faço tudo o que me prejudica e me faz bem.
Vivo neste paradoxal dilema.
Não sei porquê mas as coisas não se acertavam entre nós.
Éramos agora, dois seres, em rota de colisão.
Iríamos colidir a qualquer momento; explodir; desintegrar-nos...
- Saltar no nada, aos pedacinhos, para o abismo.
Não sei o porquê do nosso desacerto na cama e fora dela; não sei o porquê de quase nunca já, sentir desejo por ti; não sei o porquê de te odiar; de quase sentir que, em determinados dias, quase me apetecia matar-te. Que era capaz de matar-te...
E todas essas dúvidas, a martelarem-me constantemente na cabeça, me traziam à beira da loucura. E faziam com que te pusesse à beira da loucura:
- Estávamos num perfeito ninho de víboras, agora, e desde que me violentáste pela primeira vez.
Aquele romance explosivo que tivéramos estava findo; extinto; morto.
Dele só restavam, já, as minhas dúvidas; as tuas represálias; os nossos constantes confrontos, desprezos, ou alheamentos.
E nesses momentos tudo ficava muito á beira do abismo; à beira dum fim!
Quando à força me obrigavas a deitar-me contigo; a fazer sexo contigo; a colaborar nesse acto selvagem e violento, contigo, eu ficava revoltada; quase uma criminal.
Tu, possesso e de pupilas dilatadas, em cima de mim, parecias-me, quando te olhava, com os meus olhos cheios de ódio, um condenado no corredor da morte:
- Estavas com data e hora marcada, para saíres da minha vida, para sempre.
Tu não sabias do que eu era capaz; do que eu magicava fazer contigo; do que eu sofria contigo.
Mas, cá no fundo; bem no fundo da minha essência, eu sabia que jamais te mataria - não teria essa coragem.
E assim, desta forma mais que sincera, te confesso que, se estás vivo ainda, é somente porque eu sou uma pessoa do controlo, absoluto, sobre os meus pensamentos mais sórdidos.
- Jamais conseguiria fazer aquilo que condeno.
A vida de alguém, mesmo que a não mereça, é sempre um bem precioso que temos que preservar.
- Mas o meu autocontrolo não te iliba do meu ódio, por ti.
E este sentimento é agora tão forte como o Amor que tivemos antes.
Neste momento odeio-te do fundo do meu coração.
- Um coração em pedra; um coração feito do ódio que sinto por ti.
As pessoas mudam muito; nós dois, não fugimos a essa regra.
Aquece-me! Encosta-te a mim; abraça-me com suavidade; chega-te bem, bem, ao meu corpo, frio, e deixa-te estar...
- Deixa-te estar o tempo que for preciso!
O tempo necessário para que o gelo que se apoderou, por inteiro, de todo o meu Ser, se derreta e eu possa, então, despir-me e entregar-me a ti, que me queres e me desejas...para "as coisas" que eu sei que pensas que eu também quero!
- Mas eu não as quero agora; não as desejo, agora. São essas "coisas" que eu agora não quero!
Hoje foi um dia daqueles, em que até o Tempo que fez, me foi adverso! E tudo o mais, também.
- Tudo me foi adverso! Hoje foi um dos dias da adeversidade toda!
Sabes bem que eu reajo mal ao frio!
- Tolhe-me as ideias; tolhe-me os movimentos; tolhe-me os pensamentos, gostosos, que tenho por ti; tolhe-me o sexo; tolhe-me o sangue nas veias... Fico tolhida aí também! É como se não tenha desejo, dentro do meu sangue gelado. Quase me assemelho, nestes dias, a um animal de sangue frio...
- Uma osga que carece de Sol e que quando ele não vem, hiberna...
Hoje hibernei na nossa cama. Aquece-me por favor!
- Se queres que eu fique, desperta para o sexo; para me despir e encostar o meu corpo, ao teu corpo, quente, então aquece-me - o meu corpo e o meu desejo e o meu sexo. Aquece-me!
Se quiseres que a nossa noite seja uma noite de amor; de sexo; de tudo o que importa, aquece-me. Aquece-me de alto a baixo; dentro e fora; na cabeça; na alma; no sítio que for necessário. Naquele sítio!
Descongela-me, com o fogo da tua paixão. Com o incêndio das paixões, à solta, na cama que é a nossa.
- Incendeia-me de paixão... na cabeça e no sexo e toda por inteiro. Em todas as partes!
Hoje e nestes dias!
Ámen!
- Amor!... Não vás já embora!...
- Fica aqui comigo, esta noite!...
- Ficas?
Tu, que já estavas vestido para saíres, tiraste a roupa, num ápice e atiraste-te para cima da minha cama; agarraste-me, e disseste-me assim:
- "Pequenina" tu não sabes o risco que corres, em me quereres contigo, a noite inteira?!... Amanhã, já nem existes. Vou-te comer toda!"
Eu que adorava, por completo, as tuas fanfarroníces, na cama, entrei no jogo e respondi-te:
- Meu Gato selvagem e adorado, devora-me antes que amanheça!... E, se sobrar um ossinho, que seja, come-o ao pequeno almoço!...
E desta forma explicita nós assumimos fazer uma noite de sexo, a valer.
- Foi tudo muito à séria; tudo como se manda nos manuais; e ainda acrescentámos algumas, pequenas grandes, "criações" nossas. Foi uma noite santa e santíssima:
- De muita folia; muita romaria; muita bailação; muita confusão; muita excitação...
Quando o dia já clareava, nós, em absoluta rendição dos corpos - fatigados - entregámo-nos nos braços de Morfeu.
Quando depois, muito mais tarde, dia alto, abri os olhos, tu já não estavas ao pé de mim.
Tinhas saído, sorrateiro, para ires passear o teu cão!!! que estava "abandonado" desde o dia anterior.
Pela tardinha, quando voltaste, vinhas com ar prazenteiro e feliz.
Fiz-te um chá; acendi-te um cigarro que fumámos, a meias; vimos o dia findar, olhando-o pela janela, em silêncio.
Hoje que te recordo, tenho duas imensas saudades tuas:
- Saudade do teu corpo e da tua enorme disponibilidade para me dares prazer;
- Saudade dos silêncios partilhados, como sinal de enorme satisfação mútua.
Confesso, com sinceridade, que tenho imensa falta de ti. Ainda, talvez, alguma paixão!
Podias voltar? Podias não ser tão "menino" do teu cão e das tuas coisas? Tão egoísta e tão dono da tua vida? Tão impossível de aturar a tempo inteiro?...
Apetece-me chamar-te um nome.
- Mas contenho-me.
Tenho maus e bons pensamentos; maus e bons sonhos; saudades e saturação, dos nossos tempos um com o outro...
Nos dias bons, na hora do almoço, víamos os jacarandá, em flor, no Parque Eduardo Sétimo...
Era Primavera; éramos namorados de fresco; éramos muito curiosos um do outro:
- Estavamos a aprender a conhecer-nos; a despertarmos a admiração mútua; a puxar para a superfície aquelas coisas boas que andavam ocultas, dentro de nós, por falta de oportunidade.
Nos dias muitos bons, desses dias de Primavera; da nossa primavera; depois - de vermos os jacarandá, de mão dada ou abraçados - íamos comer uma refeição leve às Galerias Ritz, e brindávamos ao nosso futuro, que achávamos nós, seria longo e interminável - tal era a felicidade que sentíamos e interiorizavamos...
Nos dias esplendorosos e excepcionais; bons; e muito bons, desse romance fugaz, depois de vermos os jacarandá; comermos uma salada e bebermos uma Imperial, íamos para o teu apartamento- ali perto - e fazíamos amor, sexo, e mais amor.
- Um intermezzo antes de voltarmos, como tu afirmavas, para "a selva" dos processos...
Foram tempos de muita paixão, esses, do nosso pequeno grande romance;
- Foram de paixão, porque a paixão nos possuiu a ambos; foram fugazes, porque terminaram no dia em que me disseste que eras casado; foi um pequeno grande romance, porque enquanto durou foi belo; intenso; arrebatador e fez-me sentir mulher, feliz e infeliz, coisa que há muito tempo não me sentia.
Não lamento nada desse nosso fugaz envolvimento:
- Não lamento os passeios; as refeições; o nosso "repasto" na tua cama! Éramos muito bons na tua cama...do teu apartamento de "solteiro".
Penso que eramos bons, em quase tudo o que faziamos juntos!
Sinto uma pequenina nostalgia, quando do alto do sétimo andar aonde me encontro, por vezes chego à janela e vejo os jacarandá, abertos e a deslumbrarem-me o olhar. A insinuarem-se para mim.
- São belos na mesma! Mas vistos à luz da paixão, tinham outras tonalidades. Tinham outras nuances.
Por norma depois deste pensamento, menos feliz, fecho de novo a janela. Ignoro os jacarandá... e a ti também.
Não alimento nostalgias; pensamentos falhados; fracassos pessoais.
A vida segue, sempre, para diante, e para cima... Os jacarandá voltam todas as Primaveras.
Eu sou assim! Olho para a frente.
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